Histórias | Início | Capítulos - To the Sky
— Soluço! Saia de perto da janela! — Valka gritou ao notar o garotinho tentando ver o que estava acontecendo lá fora, mesmo sem ser alto o bastante para alcançar a janela. Ela agarrou o garoto pela camisa e gentilmente o colocou de volta na cama, ao lado de sua irmã. “Vocês esperem aqui! Se acontecer alguma coisa, gritem!”
E, assim que a viking saiu da casa, Soluço pulou da cama mais uma vez.
— Soluço! — Sua gêmea chamou, mas foi ignorada.
O garoto pegou o balde jogado no canto do quarto e o usou de apoio para poder dar uma olhada para além da janela. Lá fora tudo era caos, assim como eles já tinham visto várias vezes antes, mesmo tendo apenas oito primaveras de idade.
Vikings corriam para todos os lados entre as casas em chamas, protegendo sua vila e lutando contra os causadores daquele inferno: grandes criaturas voavam acima deles, atacando não só aqueles que tentavam matá-los, mas também as casas e os animais que tentavam fugir.
— Soluço! Mamãe nos mandou ficar longe da janela! — A jovem ruiva puxou a camisa do irmão, tentando fazê-lo descer de cima do balde.
— Para com isso! Você vai me fazer cair, Enguia! — Ele retrucou.
— É ‘Biscoito’, eu já disse! — A garota reclamou, com as bochechas avermelhadas, ela sempre teve um pouco de vergonha do próprio nome. E então seus olhos se arregalaram.— Soluço!!
Soluço se virou na direção que a irmã apontava, vendo uma parede de fogo vindo na sua direção.
— Cuidado! — Ele pulou bem a tempo, levando a irmã junto com ele para o chão. O fogo atingiu o lado de fora da casa, percorrendo a parede do chão até o telhado como uma língua flamejante; as chamas de aparência quase viscosa entraram pela janela, caindo no quarto das crianças como flocos de neve brilhantes. Soluço apagou as chamas que tocaram a barra de sua calça e se voltou para a irmã. — Tudo bem? Vamos! — Ele agarrou a mão de Biscoito e a puxou para fora do quarto, ouvindo o estalar do teto enquanto esse era coberto de labaredas, em pouco tempo tudo aquilo ia desabar.
Biscoito o acompanhou, tropeçando vez ou outra, mas seguindo em frente, mesmo quando tiveram de passar por uma parede de fumaça, tossindo violentamente. Eles saíram pela porta dos fundos, deixando para trás os restos flamejantes do que um dia foi sua casa. Eles não se sentiam tão mal, sabendo que não demoraria muito para tudo ser reconstruído, os vikings de Berk já estavam tão acostumados com aqueles ataques quanto com a destruição deixada pra trás.
Quando as duas crianças já tinham passado dos limites da vila, eles finalmente pararam, se virando para ver o que estava acontecendo no resto da vila.
Eles puderam ver sua mãe liderando a “brigada de incêndio” de Berk com suas carroças cheias de água, mas não parecia estar focada apenas naquele trabalho. Ela se virou com um estrondo repentino. Um Nadder Mortal foi lançado ao chão graças a um grupo de homens, que tentavam segurar o dragão com seus machados em mãos.
— Não! Pare! — Valka correu até um deles, segurando o braço desse que erguia a arma afiada. — Você só está piorando as coisas!
Era algo estranho, ninguém realmente entendia bem porque ela fazia aquilo. Valka era uma guerreira temível, sempre foi, Stoico estava sempre ponto para contar histórias sobre a valente mulher viking com quem tinha se casado. Mas mesmo após todos esses anos de luta, ela parecia ter se tornado um tanto sensível quanto a certas coisas; ela sempre foi uma mulher sensível para falar a verdade, pelo menos se comparada à típica sensibilidade viking…
Mas diferente de sua mãe, seu pai não pensava duas vezes antes de matar um dragão. “Dragão bom, é dragão morto”, era sua frase de efeito. E com motivo. Um dos grandes troféus da vida de Stoico tinha sido a cabeça de um Pesadelo Monstruoso que ficou pendurado no batente da porta da casa de seus pais que ele tinha matado ainda novo —só oito primaveras! —, salvando a sua família no processo.
Stoico se mantinha alto e imponente, de pé em uma das grandes catapultas que rodeavam Berk.
— Soluço! Cuidado! — Biscoito puxou seu irmão para o chão assim que um Nadder Mortal passou acima deles. — Você está bem?
— S-sim… — Soluço gaguejou, tremendo levemente. Mas o dragão voou para longe, pelo jeito sem notar os pequeninos. — Temos que sair daqui.
De mãos dadas, eles continuaram correndo, chegando até as grandes árvores da floresta em volta da vila, era difícil ver para onde iam no escuro da noite então eles decidiram que era melhor ficar por ali, escondidos pelas sombras. Nenhum dos dois podia ignorar o fato de que queriam voltar e ajudar seus pais e amigos, mas ambos sabiam que não havia muito que podiam fazer; tendo nascido muito antes do esperado e num ano bissexto acima de tudo — oh, que azar! — os dois eram raquíticos e fracos, incapazes de levantar um martelo ou um machado mesmo já passando da idade para isso. Em pensar que seus pais já estavam por aí lutando dragões com aquela mesma idade… O melhor que Soluço e Biscoito podiam fazer era fugir e tentar não serem mortos.
— Espera… Soluço… — Biscoito disse sem fôlego, tropeçando no escuro. —A gente pode parar…?
— Ah, tá… — Soluço soltou a mão da irmã, também se sentindo cansado e sem fôlego. Ele tossiu levemente, ainda sentindo o gosto da fumaça em sua língua.
Eles se sentaram, escondidos entre as moitas altas da floresta. Ainda podiam ouvir o som de batalha na vila, mas estavam a salvo naquele lugar. A não ser que algum dragão decidisse aparecer por ali…
— Ei, está tudo bem… — Soluço colocou uma mão no ombro da irmã ao notar que ela estava tremendo levemente. — Estamos seguros aqui.
Biscoito assentiu, deitando a cabeça contra o ombro do irmão.
Um estalo baixo fez Soluço se virar. Não dava para ver nada do lugar onde eles se escondiam, não que seria fácil de ver com a única luz sendo o fogo vindo da vila incendiada e a fraca luz da lua descendo por entre as árvores. Biscoito abriu a boca para falar alguma coisa, mas seu irmão a silenciou. Soluço se levantou um pouco, só para dar uma olhada. Talvez fosse algum animal pequeno da floresta, ou uma ovelha que tinha fugido…
Ele viu algumas moitas se moverem não muito longe e se abaixou novamente.
— Tem alguma coisa ali… — Soluço murmurou sem prestar atenção, recebendo um arfar alto de Biscoito. — N-não! Não se preocupa! Deve ser só… Hum… Uma ovelha que fugiu! Só isso! — Ele pegou uma pedra do chão. — Olha, eu vou assustar ela, tá?
Biscoito balançou a cabeça de modo estranho, como se estivesse dizendo “sim” e “não” ao mesmo tempo, e se manteve em silêncio enquanto o irmão se levantava de novo. O ruivo deu uma olhada em volta, só para ter certeza de onde essa “ovelha” estava, não que ele fosse realmente atirar a pedra nela, ele só ia fazer uma cena para tentar acalmar a irmã.
Ele jogou a pedra com facilidade, mesmo não tendo o braço mais forte para o trabalho. A pedra atingiu alguma coisa e houve uma resposta, mas não soava como uma ovelha. Soava mais como um… Dragão!
— Ah, não. — Soluço se abaixou rapidamente.
— O que? O que foi-? — Biscoito começou a frase, mas não conseguiu completar quando as mãos de seu irmão cobriram sua boca.
— Shh…! — Um sibilo mais alto que o seu quase o silenciou; vinha das moitas à frente deles. — Fica atrás de mim! — O gêmeo mais velho nem esperou resposta, se colocando em frente da garota.
O sibilo se tornou mais alto e eles podiam ver a plantas se mexendo enquanto algo andava entre elas. E então…
Dois grandes olhos verdes apareceram entre as moitas, os encarando com pupilas negras fechadas em fendas finas e, logo abaixo delas, uma fileira de dentes brancos e perigosos estava à mostra. O sibilo aos poucos se tornou um leve rosnado enquanto o dragão permanecia parado, encarando. Soluço não conseguiu deixar de encarar também. Que tipo de dragão era aquele?
Soluço conhecia bem os mais comuns tipos de dragões, dos pequenos Terrores Terríveis até os inflamáveis Pesadelos Monstruosos; ele conhecia suas cores variadas, o número de chifres e seu poder de fogo. Mas, aquele dragão… Era quase impossível de vê-lo na escuridão da noite, com a pouca luz que caia sobre o lugar dando pelo menos uma ideia do tamanho da criatura. Era grande, mas nem tanto, e seu corpo parecia ter a cor do céu noturno.
Só podia ser…
— Fúria da Noite… — Soluço e Biscoito murmuraram juntos, sem poder acreditar em suas próprias palavras.
A Fúria da Noite rosnou um pouco mais alto, levantando a cabeça. Soluço deu um passo para trás, levando a irmã com ele.
— F-fique longe! — Ele gaguejou um comando fraco, embora soubesse que um dragão não daria importância para aquelas palavras, especialmente vindo de um viking pequeno e fraco como ele.
Eles eram presa fácil, e Soluço se lembrava bem do que os vikings mais velhos falavam: Dragões sempre atacam para matar.
O dragão continuou encarando, rosnando baixo, até que o rosnar se tornou mais alto, fazendo Soluço tremer nas bases. Ele quase não chegou a notar a princípio, mas então sentiu que sua irmã havia se movido atrás dele, esticado a mão para o chão. Ele tremeu ao ver as mãos pequenas e pálidas de Biscoito pegando uma pedra grande. Então era isso que tinha feito a fera reagir daquele jeito!
— Biscoito, não! — Soluço segurou o pulso da irmã.
— Soluço! — Ela retrucou, tentando afastar a mão do outro.
— Você só está piorando as coisas! — Soluço disse, se lembrando das palavras de sua própria mãe. Biscoito o encarou por alguns segundos, mas cedeu quando a Fúria da Noite soltou um rugido baixo.
Soluço chutou a pedra para o lado, se voltando para o dragão e apertando a irmã contra o tronco da árvore atrás dela.
Os olhos do dragão desviaram da pedra para os irmãos e o rosnado parou, sendo substituído por um som estranho, longo e gutural.
Ignorando como tremia, Soluço ergueu a mão, tentando manter distância entre o dragão e os dois.
— Não machuque a gente… — Ele murmurou, movendo levemente a mão, como faria frente a um iaque irritado. — … Por favor… — Acrescentou sem saber o porquê.
— Soluço! O que você está fazendo? — Biscoito sibilou para ele, confusa e assustada. — Ele é um dragão!
— Shhh! — Soluço sibilou de volta.
Os dois pequenos vikings continuaram imóveis, sem saber o que fazer. Será que ninguém estava procurando por eles? Por que ninguém tinha aparecido para os ajudar? Não, eles não deviam ser egoístas, os outros vikings estavam protegendo a vila…
De repente, a Fúria da Noite ergueu a cabeça, as barbatanas escuras no topo de sua cabeça se erguendo. O dragão deu uma última olhada nas crianças e então deu-lhes as costas, abrindo as asas longas e negras e saltando para o céu.
Soluço e Biscoito perderam o equilíbrio, caindo ao chão com a força daquelas asas, e ficaram parados no mesmo lugar, mesmo depois do dragão já ter desaparecido no céu escuro.
Era quase possível ouvir seus corações batendo alto como tambores…
Céus, aquilo tinha sido… Em poucas palavras, assustador e estranho… Os dois trocaram um olhar. Pelo menos eles estavam bem, ainda estavam vivos… Depois de terem ficado cara a cara com uma Fúria da Noite, um dos dragões mais elusivos já conhecidos!
De repente o medo foi substituído por uma estranha animação que fazia a barriga de Soluço se revirar. Ele não entendia bem porque estava se sentindo daquele jeito, mas já tinha ouvido de outros vikings que era comum se sentir diferente depois de alguma coisa perigosa e surpreendente. Ele não podia dizer se era um sentimento bom ou não, mas…
— Soluço? — A voz de Biscoito fez Soluço pular. — Tudo bem…? — Soluço se virou para a irmã que o olhava de modo confuso. Ele sentiu aquela sensação estranha de antes desaparecer aos poucos e se sentiu tão confuso quanto ela.
— Sim, tô sim… — Ele murmurou, notando que tinha começado a tremer, assim como a irmã. Os dois voltaram os olhos para o céu, e eles puderam ver as formas dos últimos dragões voando para longe uma vez que seu ataque havia terminado.
— Soluço! — Uma voz forte e conhecida gritou não muito longe de onde eles estavam.
— Enguia! — Outra voz, feminina, o acompanhou.
— Vamos pra casa, Soluço… — Biscoito murmurou, puxando o irmão pelo braço.
Soluço desviou os olhos das nuvens cinzentas que escondiam a lua e as estrelas e seguiu a irmã de volta para a vila.
Disclaimer: A série Como Treinar o Seu Dragão e seus personagens pertencem à Dreamworks Animations, Dean DeBlois, Chris Sanders e Cressida Cowell. Essa é uma produção de fã para fã e sem fins lucrativos.
Todos os personagens aqui presentes possuem mais de 18 anos de idade.