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Capítulo 33 | Capítulo 35


Capítulo 34 - Companheiros para o mundo ver

   Soluço perdeu a conta de quantas horas eles ficaram voando por aí, só apreciando a presença um do outro e vendo o mundo pelos olhos de cada. Até que o rapaz sentiu sua barriga roncar, sendo acompanhada pelo ronco ainda mais alto da barriga de Banguela, e os dois decidiram voltar para a ilha.

   E, enquanto passavam pela névoa que circulava a ilha, tudo o que Soluço conseguiu pensar foi relembrar o dia em que eles tinham chegado ali. Ele tinha se sentido tão confuso e nervoso, sem saber o que pensar, uma vez que tinha deixado sua família e tudo o que conhecia para trás. Por um tempo ele tinha pensado que sua estadia na ilha dos dragões iria ser curta e que logo eles retornariam para Berk, mas depois de tantas luas e depois de tudo o que tinha acontecido, Soluço percebeu que aquilo não ia acontecer, pelo menos não tão cedo. E agora... Ele não sabia se tal coisa sequer era possível.

   Ele podia ter só agora aceito aquela relação, mas já fazia um bom tempo que Soluço se sentia incapaz de imaginar sua vida sem Banguela. Ou até mesmo sem a companhia de dragões.

   As coisas tinham mudado, ele tinha mudado. E, em sua opinião, para o melhor. E ele tinha tudo a agradecer ao Banguela.

   E, quando pensava nisso, ele se perguntava se Banguela tinha mudado também. Tudo o que Soluço tinha visto foi o dragão passar de desconfiado e hesitante para um bom amigo, e ele se sentiu um tanto desapontado em não ter aceito a ligação mais cedo, desapontado por ter perdido a chance de descobrir quem era Banguela antes da fuga de Berk...

   Soluço sentiu a energia de Banguela tocar a sua, cutucando sua mente, e ele notou que as paredes que ele normalmente mantinha erguidas não estavam presentes.

   “Isso não importa, Soluço.” Banguela ronronou, fazendo seu corpo inteiro vibrar enquanto suas asas batiam, fortes e poderosas. Soluço vibrou junto a ele. “O que importa é agora.

   “É... Tem razão, amigão...” Soluço sorriu, afagando a cabeça do Fúria da Noite.

   Quando a névoa foi deixada para trás e a ilha voltou à vista, o rapaz sorriu. Aquele lugar já tinha se tornado um lar para ele fazia um bom tempo, mas agora que ele podia sentir o Banguela, não só fisicamente, mas em todos os outros aspectos, Soluço sentiu como se sua conexão àquela ilha tivesse se intensificado também.

   Lambe-Olho e Lambe-Cauda esperavam por eles no penhasco acima da caverna que dividiam.

   “Soluço! Escama da Noite!” Lambe-Olho saltitou no lugar. “Vocês voltaram finalmente!

   “Oi, Lambe-Olho- Ah!” Soluço riu quando o dragãozinho pulou em seus braços, apertando a cabeça contra seu rosto.

   “Lambe-Olho estava ficando preocupado-“ A mensagem que Morde-Cauda transmitia parou de repente e Soluço se surpreendeu ao sentir a energia do dragãozinho se afastando da sua, como se tivesse sido puxada para longe.

   “O que foi...?”

   Um rimbombar baixo, que parecia uma mistura entre um rosnado e um ronronar, fez o corpo de Soluço vibrar. Lambe-Olho soltou um guincho baixinho e se afastou dos braços do humano, voando a alguns centímetros de distância desse; seus olhos grandes desviaram do rapaz para o Fúria da Noite ao seu lado.

   Soluço se voltou para Banguela e notou que o dragão tinha erguido a cabeça, daquele modo que fazia quando estava orgulhoso de alguma coisa. Soluço conseguia sentir a energia do dragão o envolvendo, aquelas sombras aconchegantes dando-lhe a mesma sensação de ter um braço circulando seus ombros de um modo protetor, como alguns vikings costumavam fazer com seus parceiros.

   “Vocês são companheiros!” Lambe-Olho guinchou alto mais uma vez, o som e a mensagem carregada por sua energia chamando a atenção de outros dragões que estavam por perto.

   Soluço corou.

   “Sim, sim, somos companheiros agora, isso mesmo!” Ele disse rapidamente. “Não precisa anunciar para todo o mundo, Lambe-Olho!” A isso Banguela soltou um bufado. Soluço se voltou para o dragão novamente e Banguela o lançou um olhar. “O que?”

   “Todo mundo já percebeu.” Morde-Cauda arrulhou baixinho.

   “Já?” Soluço piscou.

   “É, dá pra sentir ao seu redor.” O pequeno Terror inclinou a cabeça para baixo, limpando em baixo da asa, como se não fosse nada demais.

   “Ah...” Soluço sentiu suas bochechas corarem.

   “Isso é bom.” Lambe-Olho trinou e moveu a cabeça, de um modo que Soluço já reconhecia como a risada de um Terror Terrível. “A ilha toda já estava cansada de ficar ouvindo o Escama da Noite suspirando por você.

   Banguela bufou e sua energia girou de um modo que Soluço já conhecia como “envergonhado”, e ele adorou poder sentir aquilo de verdade. Ele tentou segurar uma risada e só sorriu para o dragão.

   “Ah, amigão...” Ele murmurou sem saber o que dizer, se sentindo tão sem jeito quanto o Fúria da Noite. Ele afagou a bochecha do dragão, que se inclinou contra o toque.

   E por um momento ele se sentiu mal, pensando em quanto tempo já tinha passado e por quanto tempo ele ansiava por ter seu amor correspondido por Soluço. E, quando isso passava por sua cabeça, Soluço também pensava em quanto tempo ele mesmo “ansiava” por uma conexão como aquela. Ele só estava se negando aceitar tal coisa.

   Bem, vikings são conhecidos por sua teimosia..., Soluço racionalizou, e sorriu ao continuar pensando: E dragões são claramente tão teimosos quanto.

   O som de um outro dragão se aproximando tirou Soluço de seus pensamentos e ele ficou feliz por notar que ainda tinha as paredes de sua mente bem erguidas. Ele se virou, vendo um Gronkel velho vindo em sua direção.

   Soluço sentiu a energia de Banguela vibrar ao seu redor do mesmo modo como o dragão pareceu vibrar, abrindo bem os olhos e a boca, daquele modo que Soluço já sabia querer indicar animação. Ele tentou não rir novamente. Qual é? O Banguela era uma gracinha! Uma gracinha de várias toneladas, o que, de algum modo, fazia suas ações ainda mais adoráveis.

   Soluço corou com aquele pensamento, mas não o rebateu.

   “Defensor!” Banguela soltou um som alto, balançando a cabeça de modo animado e abrindo as asas, como um humano faria, abrindo os braços de modo espetacular. “Soluço me ouve agora!

   “É o que contam os bufados e rugidos.” Defensor bufou enquanto cambaleava até os dois e Soluço corou levemente. É claro que a notícia já tinha se espalhado pela ilha toda, os dragões pareciam ser mais fofoqueiros que vikings. “Meus parabéns, vocês dois.” O Gronkel trinou, inclinando a cabeça na direção do humano. “Fogo Gelado me disse que isso é o tipo de coisa que vocês humanos dizem para aqueles que se tornam companheiros, sim?

   Soluço se surpreendeu ao ouvir aquilo.

   “É, é sim...” Então Fogo Gelado prestava mais atenção no que ele falava do que ele acreditava! “Obrigado.”

   “Fico muito feliz por vocês.” Defensor ergueu a cabeça de modo quase pomposo (ou o que era possível para um Gronkel parecer pomposo), demonstrando fisicamente que suas palavras eram verdadeiras. “Deve ter sido uma revelação difícil de lidar, acredito.

   “Er, talvez, um pouco...” Corou. Ele sempre sentia que seria um tanto vergonhoso admitir tal coisa. Banguela o empurrou gentilmente com o lado da cabeça e Soluço revirou os olhos, afagando-lhe as escamas escuras. “Mas é o Banguela, então...” Soluço deu de ombro, sorrindo quando Banguela soltou um som de alegria.

   Sim, o Banguela era especial para ele. Desde o momento em que Soluço tinha visto o dragão pela primeira vez, lá de volta quando era ainda uma criança, ele diria que tinha sentido algo de especial sobre o Fúria da Noite.

   Ele nunca esperaria que as coisas acabassem desse jeito entre os dois, mas, não podia reclamar.

   Defensor soltou um arrulho baixo, que soava como o borbulhar de água quente.

   “E quanto a filhotes?

   Soluço sentiu o mundo parar por um momento e demorou um momento para ele perceber que o calor que o envolveu vinha de suas próprias bochechas. E Banguela fez um som baixo, dizendo no modo dos dragões que “era melhor não falar sobre aquilo”.

   “A-ah...” Soluço murmurou, sentindo o nervosismo que subia por sua garganta forçando as palavras para fora, embora ele não soubesse o que dizer, como sempre acontecia. “Bem, eu sou um homem e um humano, então...” Ele riu sem jeito, nervoso e envergonhado com a direção em que a conversa tinha ido.

   “Sim, uma vez que são seres diferentes, talvez seja impossível.” O Gronkel continuou de modo pensativo, inclinando a cabeçorra de lado. “Mas caso você estiver interessado em tentar...

   Soluço piscou.

   A mensagem de Defensor, com suas palavras que não eram palavras de verdade, rodaram pela mente do rapaz, mas ele não conseguia processá-las direito. Ele até sentia vontade de cutucar as orelhas, para ter certeza de que tinha ouvido aquilo mesmo. Ele se perguntou se tinha entendido as coisas de algum modo errado...

   O Gronkel estava insinuando o que Soluço achava que ele estava insinuando?

   Banguela trinou baixinho, tirando o rapaz de seus pensamentos.

   Soluço se voltou para o Fúria da Noite, esperando algum tipo de resposta ou de explicação, mas tudo o que Banguela lhe ofereceu foi um toque gentil de sua energia, claramente tentando acalmar o humano. E, de um jeito ou de outro, aquilo funcionou.

   “Opa, espera...” Soluço murmurou, sem saber o que dizer ou o que pensar e um pouco nervoso, mas não tanto quanto antes. “Eu posso- Dá pra- Eu não posso-” Ele corou a cada palavra, a cada segundo compreendendo melhor que, de fato, Defensor estava falando sério sobre aquilo. Ele se voltou para Banguela mais uma vez. “Banguela, você...?”

   Banguela soltou um arrulho baixo, mas Defensor o interrompeu com um grunhido.

   “Nós temos métodos para fazer isso funcionar, não importa o sexo.” Ele explicou.

   “O-o que...?” Dessa vez Soluço sentiu seu rosto esquentar mais do que ele acreditava ser possível.

   Mas então, o mundo ao seu redor pareceu mudar, e ele sentiu a energia escura de Banguela o envolver como um abraço protetor. Soluço instintivamente se inclinou contra o corpo forte do dragão, quando esse se moveu para ficar ao seu lado, boa parte da sua frente colocada entre ele e o Gronkel. Soluço se sentiu de repente protegido e calmo.

   “Defensor, não agora.” Banguela arrulhou baixinho, seu tom sério, mas ainda assim gentil. “Nós acabamos de formar uma ligação.

   A energia de Defensor dançou no ar entre eles, se afastando gentilmente da energia de Soluço e lhe dando espaço

   “Sim, claro.” O Gronkel arrulhou em resposta, soltando uma risada de dragão. “Vocês podem formar uma decisão mais tarde.” Ele adicionou e voltou seus olhos velhos para o humano, inclinando a cabeça o máximo que seu pescoço gordo conseguia. “Novamente, como vocês humanos dizem, parabéns.

   E, com isso, Defensor ergueu a cabeça e bateu com a cauda maciça no chão. Soluço instintivamente abaixou a cabeça levemente, como tinha aprendido a fazer depois de tanto tempo entre dragões e Defensor trinou de modo satisfeito, fazendo o mesmo movimento para o humano, o que fez suas bochechas corarem.

   Ele nunca esperou reagir daquele jeito à um sinal de respeito feito por um dragão, mas cá estava ele.

   Banguela fez o mesmo e o dragão velho os deixou.

   Soluço silenciosamente observou o Gronkel enquanto esse se afastava, ainda tentando processar o que tinha acontecido, além do que se passava por sua cabeça. Após alguns segundos de silêncio, Banguela claramente decidiu que já tinha dado ao humano tempo o bastante para se recompor, por que logo ele voltou tanto seus olhos quanto sua energia para a mente de Soluço, o cutucando gentilmente, como que perguntando se ele estava bem.

   O pequeno viking piscou uma ou duas vezes, encarando os olhos grandes do dragão, antes de encontrar sua voz.

   “Hã... Banguela, sobre o que o Defensor estava falando?” Ele decidiu perguntar, só para ter certeza de que ele tinha entendido as coisas direito.

   Banguela choramingou baixinho, balançando a cabeça e inclinando o olhar. Soluço não precisava sentir sua energia para saber que era a vez do dragão se sentir um tanto desconfortável.

   “Bem...” O Fúria da Noite bufou, mantendo os olhos na grama. “Sabe, às vezes, algumas fêmeas não conseguem botar ovos.

   “Tá...?”

   “Tem um cogumelo que pode ajudar.” Banguela inclinou a cabeça e o olhar novamente, olhando Soluço de baixo. Era como se ele estivesse tentando fazer a explicação ser mais fácil de processar para Soluço, mas de algum modo físico. “Só que a gente descobriu que ela também pode ajudar outros a terem filhotes.

   Certo, então Soluço tinha ouvido direito.

   “Peraí, peraí, Banguela...” Soluço murmurou. Ele se afastou do dragão, se sentindo um tanto claustrofóbico com Banguela o envolvendo tanto fisicamente quanto mentalmente. O dragão claramente não gostou disso, a julgar pelo modo como sua cauda se agitou, mas ele permitiu um espaço entre os dois. “Você está dizendo que... Que tem um cogumelo que pode fazer machos – ah – homens, terem filhotes? Como mulheres?” Soluço mal podia acreditar nas palavras que saíram de sua própria boca.

   “Praticamente.” Banguela arrulhou.

   Um silêncio estranho pairou entre eles.

   “A-ah... Isso é... Bom, isso é...” Honestamente ele não sabia o que dizer, nem sequer sabia o que pensar.

   Soluço se lembrava de como outros dragões tinham falado sobre filhotes desde o momento em que ele tinha chegado à ilha. Por um tempo ele acreditou que era simplesmente por que dragões não entendiam como humanos funcionavam, mas agora, tudo fazia muito mais sentido.

   Ainda assim...

   Seria tal coisa sequer possível? Afinal, Soluço era um humano e Banguela um dragão!

   Soluço sentiu suas bochechas esquentarem e ele afastou aquele pensamento rapidamente.

   Ao invés disso ele tentou se focar no fato de que dragões haviam encontrado um modo que permitia a machos ter filhotes como fêmeas! O que era ao mesmo tempo estranho e... Interessante. Soluço não pôde deixar de se pegar tentando compreender como tal coisa era possível.

   Talvez fosse alguma coisa relacionada à Loki...? Ele não se surpreenderia caso fosse o caso. Algumas lendas diziam que alguns dragões tinham sido criados por Loki, especialmente os Terrores Terríveis...

   Soluço foi arrancado de seus pensamentos com um arrepio ao sentir a ponta levemente bifurcada da língua de Banguela tocar sua bochecha quente. Ele piscou, se voltando para o dragão, acalentando a cabeça desse com as mãos em baixo de sua mandíbula poderosa.

   Banguela lhe lançou um olhar e ronronou baixinho. Sua energia era novamente gentil e calma, tentando influenciar o humano ao sentir o mesmo.

   Se sentindo mais relaxado, os pensamentos retornaram à sua mente de uma forma mais suave. A ideia dele e Banguela terem filhotes era... Estranha... Mas ao mesmo tempo...

   “Banguela...?” Ele se ouviu dizendo.

   Banguela balançou a cabeça negativamente, se movendo para frente até seu focinho tocar a testa de seu companheiro.

   “Não precisa ficar pensando nisso agora, Soluço.” Sua energia transmitiu. “Não precisa pensar nisso nunca, se não quiser.

   “Certo...” Soluço assentiu e respirou fundo. Sim, ele achava que era melhor fazer aquilo mesmo. “Eu vou pensar nisso... Uma outra hora...”

   Em resposta a isso, Banguela soltou um ronronar grave que fez o corpo inteiro de Soluço tremer e ele sentiu o nervosismo derreter, como se cada vibração desfizesse os nós que o mantinham tenso. Ele sorriu para Banguela, afagando-lhe a cabeça, por um momento parando de pensar no que tinha acabado de descobrir, e se focando apenas em Banguela, seu amigo... Seu companheiro.

-o-

   Honestamente, Soluço não estava surpreso em saber que parar de pensar naquilo seria algo mais fácil falar do que fazer. Mas não era culpa sua! A culpa era dos dragões! Pelos deuses, que criaturas curiosas!

   Ele entendia porém. Não havia nenhum outro casal de companheiros como eles. Um humano e um dragão... Soluço sabia que aquilo era tão novo e curioso para os dragões quanto seria para um humano.

   Por sorte, a energia que emanava de Soluço e de Banguela agora que eles estavam juntos mantinha os demais dragões e a energia desses a uma distância apropriada.

   O que ele não esperava era quando voltou para sua forja, só para encontrar ninguém mais, ninguém menos que Fogo Gelado por lá. Soluço se perguntou por um momento se a Fúria da Noite estava esperando por eles...

   Fogo Gelado ergueu a cabeça, se voltando para o humano e o outro dragão. Seus olhos se desviaram de um e de outro e ela soltou um som baixo, que Soluço mal pode ouvir. Assim como os outros, ela manteve sua energia à distância, mas Soluço ainda conseguia sentir um pouco de seu calor e ele era amigável, como tinha começado a ser fazia um tempo.

   “Finalmente.” Soluço pôde ouvir a mensagem em sua energia escura.

   Ele não pôde deixar de rir, sem jeito, enquanto Banguela soltava um rosnado igualmente envergonhado.

   “É, é o que todo mundo está dizendo...” Soluço deu de ombros.

   “É bom ver que tudo foi resolvido.” Fogo Gelado trinou baixinho, inclinando a cabeça para o lado de modo interessante. Seus olhos nunca desviaram do humano e, embora Soluço já estivesse acostumado aos olhares que recebia dos dragões, o modo como a Fúria da Noite o encarava sempre o deixava um pouco nervoso.

   Banguela pelo jeito notou tal coisa, por que o rosnado dessa vez foi um pouco menos amigável. Fogo Gelado só respondeu com um bufado, abrindo as asas e se balançado levemente. Soluço se perguntou que tipo de conversa os dois Fúrias estavam tendo, curioso em saber por que ele estava sendo excluído dela.

   “Eu ainda não entendo.” Fogo Gelado trinou como tinha feito antes e Soluço voltou sua atenção para ela novamente. “Afinal, você é um humano. Um viking.

   Ela parou depois dessas palavras e um silêncio estranho parou no ar.

   “Bem, é...” Soluço disse, sorrindo sem jeito.

   “Mas eu nunca vi uma conexão como a de vocês antes.” A dragão terminou, quase interrompendo o humano. “Isso deve significar alguma coisa.”

   Soluço piscou, sem saber como reagir. Ele se virou para Banguela, que apenas o lançou um olhar, parecendo tão surpreso quanto ele. E, ver que o dragão compartilhava seus sentimentos, Soluço se sentiu um pouco mais confortável.

   “Eu, hã... Obrigado? Eu acho...?” Ele murmurou.

   Fogo Gelado moveu a cabeça, desviando os olhos para a forja improvisada.

   “Tomem o dia para vocês dois.” Ela bufou. “Ninguém vai perturbar vocês por hoje.” E inclinou a cabeça para o lado com um olhar interessante. Fogo Gelado não sorria como o Banguela sorria, mas Soluço conseguia reconhecer por sua pose relaxada e a energia gentil, mesmo que distante, que ela estaria sorrindo se soubesse como. “De um modo ou de outro, é um acontecimento especial.

   E, com um movimento de cauda, ela se afastou, deixando os dois sozinhos.

   As “palavras” de Fogo Gelado continuaram rodando pela mente do Soluço.

   Um acontecimento especial... Significar alguma coisa...

   Ele não sabia o que ela queria dizer exatamente, embora sentisse que devia saber... E então sua mente pensou no que seria um acontecimento especial para um viking que tinha um significado similar àquilo.

   Soluço sentiu suas bochechas corarem.

   Não era como se ele já tivesse pensado em seu futuro casamento, pelo menos não muito a sério. Mas às vezes aquilo atravessava sua mente, especialmente quando ouvia conversas entre seu pais e os vikings mais velhos, afinal, era esperado que ele se casasse algum dia e gerasse herdeiros.

   Soluço não sabia muito sobre casamentos, só tendo visto alguns em sua vida – o fato de que algumas negociações de casamentos podiam levar anos certamente era algo que o entediava consideravelmente – mas havia algumas coisas que qualquer viking sabia: o dia especifico para se ter um casamento.

   Ele ergueu os olhos para o céu. Ele tinha parado de contar os dias há um bom tempo e, embora ele pudesse entender as estrelas um pouco, não havia muito que ele pudesse fazer para ter certeza de que dia da semana devia ser.

   Se ele soubesse que dia era...

   Parte de Soluço se sentia bobo, mas sua criação supersticiosa tendia a fazê-lo pensar demais naquelas coisas. A esse ponto ele não ligava muito para essas coisas, mas, ainda assim, ele esperava que fosse um dia de Freya...

   Com a sua sorte e o modo como os deuses pareciam pensar sobre ele...

   “Dia de Freya?

   “Ah! Banguela!” Soluço exclamou, sentindo o rosto corar. Ele se virou, encontrando o Banguela o encarando com um olhar curioso. “Não era para você ouvir isso...!”

   “Foi você que deixou a mente aberta.” Banguela bufou, inclinando a cabeça de lado daquele modo adorável que ele fazia. “O que é um casamento?

   “A-ah, bem, sabe...” Soluço riu, sem jeito, pensando em como explicar aquilo para um dragão. “Um casamento é praticamente... A versão humana de, ãh... Ah, da marcação e do voo de acasalamento, sabe?”

   Banguela ficou quieto por um momento. Soluço tentou “ver” o que se passava na mente do outro, mas esse estava com suas paredes casualmente erguidas. Ele se perguntou se o dragão estava fazendo aquilo de propósito, sem querer que Soluço ouvisse seus pensamentos, ou se ele nem tinha notado tal coisa.

   Mesmo sem conseguir ouvir a mente do outro, Soluço já conhecia Banguela bem o suficiente para reconhecer o olhar pensativo em suas feições draconianas.

   “Humanos fazem isso também?” Ele arrulhou baixinho, os olhos bem brilhantes, similar ao modo como os Terrores Terríveis olhavam para Soluço quando ele começava a contar alguma coisa nova.

   Soluço não pôde deixar de sorrir, sentindo o rosto esquentar, mas de um modo estranhamente confortável dessa vez.

   “Sim, e não.” Ele explicou. “Não tem marcação de verdade. Nós não mordemos um ao outro, é claro que não.” Banguela o lançou um olhar, dizendo sem palavras que ele já tinha adivinhado aquilo. Soluço pigarreou. “Mas é uma celebração... Uma união entre os específicos vikings e suas famílias...”

   Os casamentos entre vikings de Berk sempre levavam em conta o amor entre o casal, mas ainda assim a celebração não era só sobre os dois, mas também sobre suas famílias. Alianças e amizades entre grupos e clãs eram sempre motivo para alegria, pois “uma Berk unida é uma Berk forte”, Soluço se lembrava ouvir Stoico dizer.

   Soluço sentiu seu coração apertar um pouco. Era tão irônico que seu pai falava assim sendo que... Ele nunca se sentiu parte de Berk... Pelo menos, não de verdade. E agora cá estava ele, acompanhado de um dragão, se sentindo parte de uma comunidade pela primeira vez de verdade...

  E então seu coração bateu mais forte.

   Soluço lançou um olhar para Banguela, que apenas o encarou de volta. Ele nem sabia se sua mente estava aberta ou não, ele não se importou no momento.

   Banguela já tinha o contado sua história, sobre como seu clã tinha sido destruído, e como ele tinha encontrado um lar e uma comunidade com esse novo clã, guiado por Defensor. Essa era a sua nova família.

   A união entre Soluço e Banguela então...

   Soluço sentiu como se seu coração estivesse grande demais para seu peito ao pensar daquele modo, ao dar tamanha importância para sua conexão com Banguela.

   Mas, ao mesmo tempo, ele sabia que era besteira... Ele sabia que nem sua família, nem ninguém em Berk iria aceitar tal coisa.

   Ele se lembrou de quando pensou que pudesse mostrar para os outros vikings a verdade sobre os dragões. Parte dele ainda acreditava que era possível, ele só tinha que se lembrar de Perna-de-Peixe e de sua mãe, mas no momento não era como se ele realmente pudesse fazer grande coisa. Ele era só um viking solitário acompanhado de um dragão...

   Mas aquele dragão era Banguela, um Fúria da Noite, a “cria diabólica do raio e da própria morte”... O seu melhor amigo e agora o seu companheiro. Banguela era incrível em todos os sentidos...

   Ainda assim, ele não pôde deixar de pensar... E se eles fossem aceitos...? E se sua união com Banguela fosse aceito como um “casamento”? Ele não ficaria surpreso caso sua mãe o forçasse a fazer uma celebração como devia ser feita, embora ele não tivesse a mínima ideia de como Banguela participaria dela. Mas ele encontraria um jeito...

   Banguela trinou baixinho e Soluço piscou, e ele podia ver algo tão profundo nos olhos verde-amarelados de seu companheiro, que ele quase sentiu vertigem, ao mesmo tempo em que se sentia completamente seguro onde estava.

   “Você queria fazer isso?” Banguela arrulhou, se aproximando lentamente de Soluço, forçando o humano a jogar a cabeça levemente para trás para olhar para ele.

   “O que? Ah, não, não, eu nunca...” O rapaz parou por um momento, notando que aquilo era uma parcialmente uma mentira. “Bem, talvez. Sim. Provavelmente.” Ele deu de ombros, sorrindo daquele modo sem jeito dele. “Mas não é como se as coisas saíram do modo como o planejado para a minha vida, não é?”

   Banguela soltou um som baixo, inclinando a cabeça para o lado. Soluço notou algo de diferente na energia desse...

   “Você ia se casar?

   Soluço piscou e teve de morder o lábio para não rir.

   “Algum dia. Possivelmente.” Ele admitiu com um rolar de ombros, como que mostrando que não se importava e a energia que vinha do dragão só se intensificou. Soluço corou e não pôde deixar de sorrir. Ele nunca tinha pensado em como saber que alguém tinha ciúme dele poderia o fazer se sentir daquele jeito. “Como... Futuro chefe da tribo eu teria que ter uma família e filhos para tomar o meu lugar e tudo o mais, sabe...?”

   E o humor se drenou dele um pouco.

   Filhos...

   Ele ainda se lembrava da conversa com Defensor e os comentários de outros dragões. Mas ele não queria pensar naquilo!

   Soluço voltou a mente para o momento, se voltando para Banguela. Ele ainda podia sentir um pouco do ciúme permeando a energia negra do dragão; era uma sensação estranha, levemente quente, que borbulhava de um modo diferente de qualquer coisa que Soluço já tinha sentido; ela descia até seu estômago, o deixando um pouco enjoado, assim como ele se sentia com ciúmes de Biscoito... E outros vikings. Interessante...

   Mas junto àquela sensação, a energia de Banguela tinha se tornado pensativa, flutuando entre eles como nuvens, ou algo do tipo.

   E havia algo tanto naquela sensação quanto na postura do dragão que deixou Soluço um tanto nervoso.

   “Mas isso é passado.” Ele disse rapidamente, esticando a mão na direção do rosto do dragão. Banguela piscou, voltando os olhos desviados para o humano, e ele não hesitou antes de inclinar o pescoço. Soluço sorriu ao sentir as escamas quentes do focinho do outro contra a palma de sua mão. “E não foi você mesmo que disse para ignorar o passado, senhor filósofo escamoso?”

   Banguela abriu os olhos, lançando um olhar que fez Soluço rir.

   “A gente pode se casar?

   “O que?” Soluço piscou, sem esperar a pergunta repentina.

   “Ou é só entre humanos...?” A energia de Banguela se abalou por um momento, como se ele estivesse envergonhado com a pergunta que tinha feito.

   Os dois ficaram parados ali por um momento, naquela mesma pose que um dia tinha marcado o primeiro contato entre os dois.

    Soluço não sabia como responder, sentindo seu rosto esquentar mais e mais enquanto sua mente processava o que tinha ouvido. Banguela tinha... Honestamente perguntado se eles podiam se casar?

   Novamente Soluço pensou naquela probabilidade, e como aquilo poderia acontecer, mas... Embora parte de sua mente quisesse imaginar que era possível. Afinal, era só uma celebração simbólica! Eles podiam dar um jeito para permitir que um dragão pudesse participar!

   Mas ele sabia que não dava, não com o modo como os vikings pensavam sobre dragões, e não só os vikings de Berk...

   “Banguela, a gente... Não, a gente não pode amigão...” Ele suspirou, sem querer pensar mais naquilo.

   “Por que não?” Banguela arrulhou baixinho e Soluço sentiu sua energia o tocar.

   “Por que...” Pela primeira vez o rapaz se sentiu levemente acuado pela energia do dragão o envolvendo. “Ah, ora, por que eu não sei como realizar um casamento! E não tem ninguém aqui pra fazer isso pra gente!” Ele disse rapidamente, esperando que aquilo servisse de resposta e fosse o bastante para o dragão.

   Soluço sentiu a presença de Banguela se afastar, e sabia que sua própria energia era a que tinha feito aquilo. Banguela não parecia feliz com aquilo, mas ele continuava com aquela sensação pensativa o envolvendo.

   “A marcação e o voo são importantes para dragões.” Ele bufou por fim, antes que o viking pudesse dizer algo mais. “Casamentos são importantes para humanos.” E assentiu com a cabeça de modo decidido, como que pondo um fim à conversa. “Nós já fizemos um. A gente devia fazer o outro.

   “Banguela...” Soluço balançou a cabeça, mas ele não pôde deixar de sorrir, já bem acostumado com a teimosia do dragão. Ele cruzou os braços. “Você realmente quer fazer isso ou só está fazendo isso por que você acha que seria a coisa ‘certa’ de se fazer?”

   Um silêncio pairou entre os dois.

   Soluço corou e sorriu torto, sem jeito, mas honestamente lisonjeado.

   “É a segunda opção, não é?”

   Banguela bufou, balançando o corpo de um modo deliberado.

   “Ora, desculpa por querer que meu companheiro fique feliz!” Ele grunhiu, virando o corpo, como que para dar as costas para o humano. “Vou lembrar de não fazer tal coisa mais tarde.

   “Ah, qual é, seu bebezão.” Soluço revirou os olhos e não pôde segurar uma risada. Ele sorriu gentilmente para o dragão e se aproximou desse, envolvendo seu pescoço musculoso. Banguela manteve a cabeça erguida na direção oposta, mas, mesmo de baixo, Soluço conseguia ver que o dragão o observava. “Mas, sério, obrigado, Banguela... Você só mostrando que se importa... Significa muito.”

   Banguela abandonou a atuação inclinando a cabeça para Soluço. O rapaz riu, se encolhendo levemente ao sentir o focinho do outro contra seu pescoço.

   “A gente não precisa de um casamento humano.” Ele disse e sorriu ao sentir Banguela apertar o focinho contra seu ombro. O formigamento deixado pela marca era fácil de ignorar, mas agora, sempre que ele a sentia, ele gostava da sensação. “Eu acho que... As nossas vidas já estão bem entrelaçadas a esse ponto, não é?”

   O dragão ergueu a cabeça para poder encarar o humano e Soluço pôde se ver novamente refletido nos olhos grandes de Banguela. Ele se perguntou se Banguela podia se ver em seus olhos também...


Capítulo 33 | Capítulo 35


Disclaimer: A série Como Treinar o Seu Dragão e seus personagens pertencem à Dreamworks Animations, Dean DeBlois, Chris Sanders e Cressida Cowell. Essa é uma produção de fã para fã e sem fins lucrativos.

Todos os personagens aqui presentes possuem mais de 18 anos de idade.


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